- "Papá, o universo tem fim ou é infinito?"
- "Não sei."
- "Mas alguém deve saber."
- "Não, ninguém sabe isso."
Não sei dizer quantas vezes massacrei o meu pai com estes perguntas e ele certamente também não o saberá, mas tenho ideia de que foram muitas. Também não sei ao certo quando é que esta minha curiosidade despertou, mas arrisco-me a dizer que a tenho desde sempre, porque me lembro de sempre achar esta questão inquietante. Mais do que todas as outras coisas que me podiam suscitar curiosidade, esta sempre foi aquela que mais mexeu comigo.
Lembro-me que passava tempos e tempos a pensar sobre isto, a tentar chegar a alguma conclusão. A ponderar sobre as duas possibilidades. "Se o universo for finito", pensava eu, "então tem limites, tem paredes, chão e teto", como se se tratasse de uma caixa que contém tudo o que existe. Mas nesse caso o que é que está para lá desses limites? Uma caixa maior que contém esta nossa caixa? Mas então as caixas sucedem-se umas atrás das outras sem nunca terminar, numa sucessão infinita... Por outro lado, quando começava a pensar na hipótese de o universo não ter fim, rapidamente a afastava, porque não conseguia imaginar algo que nunca acaba, uma vez que na nossa realidade tudo tem um fim. A conclusão a que a muito custo sempre chegava era a de que o universo tem de ser infinito, porque mesmo na hipótese de que ele tem fim, para mim tinha de estar dentro de alguma coisa, ou fazer parte de alguma coisa, e desse modo essa outra coisa passaria a ser ela própria o universo, já que o universo é tudo o que existe.
Outras vezes pensava numa terceira hipótese. "A água não pode estar só quente ou fria, também pode estar morna, por isso o universo não tem de ser finito ou infinito, pode ser outra coisa." Claro que por aqui nunca avancei grande coisa :)
Já um bocadinho mais crescida, mas ainda uma criança cheia de curiosidade, lembro-me um dia de pensar, após mais um interrogatório ao meu pai, que se não havia ninguém no mundo capaz de dar uma resposta satisfatória e correta para esta pergunta, então por que razão havia eu de ficar à espera que um dia aparecesse essa pessoa? Por que não ser eu essa pessoa? E foi ai que nasceu a minha vontade, o meu desejo de dedicar a minha vida à astronomia e à procura de respostas.
À medida que ia crescendo tinha cada vez mais a certeza de que era isso que eu queria. Com 14 ou 15 anos, no natal, os meus pais deram-me o meu primeiro telescópio. Que loucura que foi! No natal seguinte deram-me outro... :) substancialmente melhor que o primeiro. Com ele passei imensas horas a descobrir o que me era permitido. Fosse inverno, fosse verão, estivesse frio ou não, lá ia com o telescópio atrás de mim tentar ver coisas novas. Claro que no inverno era mais complicado. Por vezes o frio era mesmo muito, mas eu ia bem agasalhada com casacos e cobertores. Se bem me recordo, nunca fiquei doente ou apanhei qualquer constipação devido a essas minhas observações noturnas. Nem tão pouco me lembro de sentir assim tanto frio. Acho que quando uma pessoa está a fazer aquilo de que gosta e está completamente mergulhada e concentrada nisso, tudo o resto à volta é apenas um acessório. Houve momentos verdadeiramente excitantes, como por exemplo ver os anéis de saturno, a galáxia de andrómeda ou júpiter e as suas 4 grandes luas. Mas o maior momento foi quando, após cerca de 2 horas à procura, finalmente encontrei a nebulosa de orion. Eu nem queria acreditar e o mais incrível era não estar a ver uma mancha cinzenta, tal como pensei que fosse ser o caso. Era azul. E achei incrivelmente bonito e fantástico.
Há já muito tempo que não me perco com o meu telescópio e agora, após ter escrito isto, percebi que tenho de o voltar a fazer rapidamente. Talvez vá mesmo procurar de novo a nebulosa de orion.
Acabei por não ir para um curso de astronomia, mas sim para um mais "seguro". Na altura pensei que me fosse ser difícil deixar esse sonho para trás. Hoje não me arrependo do caminho que segui. Se quando era miúda era fácil para mim imaginar uma vida dedicada à astronomia, imaginar-me a dormir de dia e a viver de noite sempre a ver por um telescópio, mesmo que isso implicasse estar longe das pessoas importantes da minha vida, acabei um dia por mudar radicalmente de pensamento. Para mim passou a ser inconcebível ter uma vida assim, afastada das pessoas. Uma vida em que não seria fácil construir uma vida com outra pessoa. Percebi que se me dedicasse à astronomia provavelmente até seria feliz, mas que o mais certo era um dia arrepender-me. É que acho que há muitas formas de ser feliz e essa não seria a felicidade máxima que poderia ter.
Assim, mesmo cheia de curiosidade, com a mesma curiosidade de quando era pequenina e com a mesmo vontade e necessidade de querer ter as respostas, resta-me que outra pessoa as encontre. Quanto a mim, fico à espera que isso aconteça e entretanto... vou sendo feliz.